100 anos da chegada do comboio a Lagos - passado, presente e futuro
Olá a todos!
No post de hoje venho falar de transportes. Para quem não liga muito a este assunto: a comemorações no geral ou não esteja por terras algarvias, a comemoração dos 100 anos da chegada do comboio a Lagos, pode-lhe passar ao lado.
Por isso vim aqui partilhar as minhas ideias, questões e desabafos que me ficaram a fazer "comichão atrás da orelha" depois de ir ao colóquio de hoje que dava o pontapé de saída para um programa de 2 dias relacionados com o tema.
Só consegui atender a este evento na sessão da tarde cujo tema principal era Presente VS Futuro, entenda-se o Presente VS Futuro da ferrovia, nomeadamente e principalmente o da Linha Ferroviária do Algarve.
Para começar já com um desabafo. Na minha opinião esta é uma comemoração um pouco infeliz. Porque ao fim de 100 anos de operação a nossa Linha do Algarve está pior hoje do que quando começou. Esperava eu que ainda só tenho 3 décadas de vida que num século de história as entidades municipais, regionais e nacionais fizessem um trabalho melhor em garantir a prestação de melhores serviços às populações que servem. Mas o desinvestimento que esta Linha sofreu ao longo das décadas é visível por todos os Algarvios e os que nos visitam diariamente. Basta olhar para ausência de horários frequentes e fiáveis, para a falta de conforto, segurança e informação nos apeadeiros e estações e no material circulante que ainda hoje usamos.
Nesta sessão da tarde estiveram presentes o Eng.º Zúquete "que é cá da terra" e um curioso/estudioso da matéria dos transportes e mobilidade, por favor não lhe chamem especialista que ele não gosta muito de ser ver associado a essa palavra, o Eng.º Pedro Moreira da CP (Comboios de Portugal) e o Eng.º Carlos Fernandes da IP (Infraestruturas de Portugal).
O Eng.º Zúquete fez a primeira intervenção onde se debruçou sobre uma ideia a qual adoptei na minha tese de mestrado em 2016 intitulada: "O papel do espaço ferroviário na mobilidade sustentável do Algarve". A ideia que para alguns pode ser bastante original/controversa ou não, é a de que o Algarve é uma cidade linear. Somos de facto uma região, mas no contexto de futuro e na integração obrigatória de ver as coisas mais do que portugueses mas como membros da Europa e como tal europeus, podemos adoptar a ideia do Algarve ser uma cidade que se estende linearmente entre Vila do Bispo a Vila Real de Santo António e abarcando de norte a sul o barrocal como Silves, Monchique, São Brás de Alportel e Alcoutim. Uma cidade em que 3 vias são fundamentais e transversais ao território algarvio: 1) uma via rápida - a auto-estrada (que já a temos A22-via do Infante, mas cuja utilização a favor do tempo leva os residentes em deslocações casa-trabalho a desembolsar uma pequena fortuna todos os meses, acrescido ao valor da gasolina e gasóleo); 2) uma avenida - a nossa tão estimada e movimentada N125 cuja relação amor-ódio todos sofremos; e finalmente 3) a via ferroviária - a nossa Linha do Algarve, que deve ser considerada como o verdadeiro eixo estruturante da mobilidade da região. Estas 3 vias que existem e estão funcionais atualmente deviam idealmente servir as necessidades da população desta grande cidade que é o Algarve.
O Eng.º Carlos Fernandes (IP) falou como gostava de Lagos e que há muitos anos a Meia-Praia era o local favorito para passar as suas férias. Conduziu-nos pelos diferentes níveis de investimentos nas infraestruturas como se esperava, e na tão aguardada electrificação da Linha do Algarve, obra de modernização que se espera estar concluída segundo as suas palavras no início de 2024. Nós por cá residentes esperaremos mais 2 anos para a poder inaugurar e aí estarei a escrever um novo post como este sobre uma comemoração que pelos vistos é sempre algo muito relevante e importante na agenda dos munícipios. Falou também em estudos onde uma ligação Lisboa - Lagos e Lisboa -VRSA se poderão prever, o que muito iria melhorar na qualidade, conforto e segurança de quem pretende deslocar-se a estas "pontas" vindo de Lisboa ou para Lisboa. Evitar transbordos em Tunes e em Faro é uma revolução gigantesca(serviço que a meu ver seria básico) e também algo que já ao longo destes 100 anos muitos algarvios fizeram questão de dizer que deveria ser implementado.
Fiquei "ligeiramente" assustada (espero não ter compreendido mal) quando o Eng.º Carlos Fernandes (IP) referiu que no futuro quando a ligação Lisboa-Faro apresentar movimentação suficiente "mais procura" então serão pensadas e procuradas mais melhorias e investimento para a Linha do Algarve. Ou seja, se eu não percebi mal o que isto significa é: - se o troço Lisboa-Faro não gerar procura suficiente dentro dos padrões de procura (que não conheço da IP) então não se pensará em continuar a investir numa infraestrutura que é e deve ser o eixo estruturante dos transportes e mobilidade dos algarvios. Portanto, pelos vistos mais uma vez só se os lisboetas, algarvios e turistas usarem muitas vezes o comboio para as suas deslocações Lisboa-Faro é que a nós algarvios nos será dado o benefício de pudermos exigir melhores condições para a nossa linha regional. Como sempre parece que só a avaliação da procura sobre a oferta do inter-cidade e alfa-pendular ditará a avaliação das verdadeiras necessidades dos algarvios que querem se deslocar no Algarve.
O Eng.º Pedro Moreira da CP (Comboios de Portugal) teve a última intervenção. Devo-vos dizer que estava à espera de alguém que fosse apresentar mais uma ladainha do género: "- Temos nos esforçado para melhorar o serviço e feito os possiveis para melhorar a vida da população algarvia com os nossos serviços, mas como sabem a vida não está fácil e não conseguimos fazer melhor com o que temos." Mas fui surpreendida pela positiva. O Eng. º Pedro Moreira admitiu o desinvestimento que a CP como operadora fez ao longo destes 100 anos nesta Linha e não fugiu a assumir que a prestação dos serviços está aquém do que é digno desta Linha, uma linha regional que tem visto uma procura cada vez maior. Falou do material circulante e da relevância de reabilitarmos o material circulante que temos em mãos, investindo em reabrir as oficinas para dar mão a essa operação e a importância que essa operação terá no futuro da ferrovia portuguesa visto não haver dinheiro suficiente nem tempo para gastar (processo de aquisição de material circulante novo pode levar 7 anos se não houver impedimentos e outras coisas pelo meio, só para terem uma ideia) em compras de material circulante novo. Deste tema não estava muito informada e fiquei contente por a CP estar atualmente a apostar nesta área promovendo uma melhor sustentabilidade financeira ao fazer "upclycing" de material antigo e ao mesmo tempo ser um agente importante e fulcral na criação de valor junto das empresas que operam neste tipo de recuperação de material circulante. Falou-se igualmente das melhorias ao nível técnico em relação às comunicações no serviço, portanto presumo que em 2024 não teremos que estar numa estação desta Linha e a sofrer de ansiedade até à última hora para saber se o comboio passa na linha 1 ou 2 porque ainda estão à espera de saber por rádio em Lisboa qual é a linha que o comboio vai passar(caso verídico que testemunhei em Cacela).
Com a electrificação da Linha do Algarve prevê-se uma melhoria entre 15-25 minutos na duração dos trajectos. Se isto é melhoria suficiente para o comboio se tornar um verdadeiro competitor do automóvel nesta região quando equacionamos ir a algum lado, não sei responder. A meu ver a aposta na duplicação e electrificação da linha seriam a resposta que os algarvios pretendem. Mas já que temos que pedir Por Favor ao poder central para nos darem o simples básico, talvez daqui a 100 anos nas comemorações dos 200 anos da chegada ao comboio os nossos bisnetos já possam dizer adeus ao carro diariamente e deslocar-se no Algarve em percursos casa-trabalho com estações intermodais com informação ao público ao minuto, um sistema de bilhética único para todos os modos de transporte e um serviço fiável, seguro e confortável onde de 15 em 15 minutos ou de 30 em 30 minutos sabemos poder contar com um comboio para Faro para irmos estudar, ir á consulta no hospital, talvez ir a um concerto à noite ou ir ao cinema, ou até quem sabe apanhar o avião porque temos ligação ao aeroporto e não temos que pagar 100€ de transfer (por vezes mais caro que o bilhete de avião) para lá chegar, talvez os algarvios não tenham que usar o carro para tudo, talvez em 2122 tenhamos esse Presente embora para mim esse Futuro esteja aparentemente longe de acontecer.
A meu ver a culpa do estado das coisas nesta Linha, este desinvestimento que se fez sentir durante 100 anos não é da inteira responsabilidade da IP ou da CP,é uma responsabilidade que partilham com os munícipios que durante 100 anos não desenvolveram eles também estratégias de planeamento e ordenamento que "arrumassem" as cidades à volta das estações ferroviárias voltando-lhes muitas vezes as costas e apostando em criar terminais rodoviários longe das mesmas, provocando um maior fosso na ligação rodovia-ferrovia como resposta às necessidades da população, igualmente importante teria sido a posição mais informada e vincada que a AMAL e a CCDR Algarve deveriam ter tido sobre as operadoras CP e EVA para melhorarem os seus serviços e ao longo dos anos articularem-se e trabalharem conjuntamente na oferta à procura que o ordenamento adequado poderia suscitar nos transportes públicos da região. Mais acrescento que gasta-se tanto dinheiro em estudos na procura de soluções para o transporte e mobilidade deste país, quando existem teses de mestrado e doutoramento a ganhar pó sobre estes temas que são válidas, úteis e são a custo zero que ninguém destas intituições e organizações parece pegar e ler.
Gostava de ter tido a oportunidade de perguntar ao Eng.º Carlos Fernandes (IP) qual era o modo de transporte que usava para vir passar férias aqui a Lagos? Porque a resposta comboio não era de certeza. E se ainda existem dúvidas sobre como melhorar e quais são as soluções para a Linha do Algarve basta pegarmos nas dúvidas que tantas pessoas neste país que visitam a nossa cidade colocam quando olham para as quatro opções: carro(prático, cómodo, confortável), comboio(lento, custo bilhete versus tempo perde em relação ao autocarro e avião, pouca fiabilidade e transtornos com transbordos), autocarro(prático, cómodo, custo razoável), avião(rápido e cómodo e por vezes mais barato que as 3 opções anteriores se falarmos da ligação Faro-Porto). Quais os vencedores? Aqueles que são intrinsicamente mais dependentes de combustiveis fósseis, aqueles que mais poluem e que em 2030 nos vão obrigar a estar no Futuro, ou se perdermos a carruagem...a pagar multas pesadíssimas por incumprimentos.
No dia em que a escolha a favor do comboio para vir para Lagos esteja verdadeiramente na mesa das opções vencedoras, aí sabemos que foi feito o que é preciso ser feito: um sistema intermodal bem oleado, uma linha ferroviária dupla, electrificação, horários cadenciados e frequentes, sistema de bilhética única, e serviços que passaram de regionais para inter-urbanos, este será o futuro de uma cidade - Algarve onde não teremos que PAGAR para ir trabalhar. Pois não se trata só da importância que essa mudança terá para sustentabilidade "ambiental" mas também para a sustentabilidade da "carteira" dos algarvios, que cada vez se vê mais vazia com o aumento do custo dos combustiveis fósseis, a guilhotina das portagens da A22 e com o abandono a que ficámos durante muitos anos votados no sector da oferta no serviço dos transportes públicos no Algarve.
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