31 Voltas ao Sol - Lição nº 10
Minimizar sem ser um minimalista
Já falei no post anterior da importância de "destralhar". Hoje vou partilhar convosco mais uma lição importante que tenho aprendido, esta sobre a importância de minimizar.
O minimalismo é uma palavra que tem povoado as redes sociais e virou um autêntico movimento desde que saiu o documentário "Less is Now" no Netflix pelos TheMinimalists. É um conceito que os nossos bisavós e avós aplicavam no seu dia-a-dia ora porque as condições assim o obrigavam ora porque o valor das coisas nessa altura não era o mesmo que temos hoje. Segundo o dicionário:
Minimalismo = "Sistema, doutrina ou tendência que defende a redução ao mínimo do que compõe algo."
E agora vêm as minhas perguntas:
Porque é que o minimalismo hoje é tão importante?
Porque é que é algo que tem feito tanto alarido e milhares de pessoas têm andado a apregoar este movimento e aplicado os seus princípios nas suas vidas, se os nossos antepassados já o faziam?
O que tem de tão especial?
Eu coloquei a mim própria estas perguntas várias vezes e desde 2019 que tenho visto documentários e vídeos e lido artigos de várias pessoas por este mundo fora. E a resposta à pergunta: porque é que é um movimento e uma tendência com tanta adesão é simples.
Os Theminimalists não descobriram nada de novo. E não criaram este movimento do ar. Esta forma de viver que eles aplicam e divulgam não é algo que não tenha existido antes, fruto da necessidade ou dos tempos que se viviam. O que torna este movimento importante e tão popular é que ao longo da vida dos nossos bisavós, avós e pais as condições de vida para muitas pessoas "melhoraram" dando-lhes capacidade económica para "ter coisas". Coisas que nunca antes tínhamos acesso. E com esta capacidade de ter, com esta tendência cada vez mais vincada de "consumir" entramos numa Era de excesso. E esse excesso foi preenchendo as nossas vidas e as nossas gerações até aos dias de hoje sem nos darmos conta do que é viver "sem excesso".
O excesso criado por esta capacidade de comprarmos mais e mais coisas, cegou-nos, ensurdeceu-nos e incapacitou-nos de pensar criticamente e tomar consciência sobre o poder que estas "coisas" tinham e têm na nossa vida. Aquilo a que chamam a corrida do rato: em que o rato anda às voltas na sua gaiola dentro da sua rodinha cada vez mais rápido e cada vez mais cansado, mas não chegando a lado nenhum é o conhecido termo "keeping up with the Joneses". Andamos às voltas e às voltas a tentar ganhar e receber mais, para gastar e comprar mais "coisas" e no fim estamos exaustos e cansados e não saímos da cepatorta. Continuamos a querer mais, continuamos insatisfeitos e continuamos, aparentemente, sempre com falta de mais aquela coisa.
Esquecemo-nos do que é ser frugal, do que é o prazer retardado, do que é esperar e dar tempo ao tempo, de pensar sobre o que é essencial... e fundamentalmente esquecemo-nos do que é praticar o contentamento.
Aos olhos dos nossos bisavós se temos uma casa sobre a nossa cabeça, se temos água limpa e canalizada, se temos energia à distância de um toque, se temos um frigorífico com comida, isso era e é uma grande riqueza.
Aos nossos olhos a riqueza não fica por aí, temos que adicionar o pacote de internet e televisão, a consola/computador de última geração, o telemóvel, o último gadget de cozinha, o robot disto e o robot que faz aquilo...e continuamos adicionar mais coisas ao círculo, e mais...e mais...e mais...
Eu, em nenhuma maneira, estou aqui apontar o dedo num pedestal de autoridade. Eu padeço da mesma doença que todos temos - consumismo. Mas atenção! eu sei que esta doença tem cura. E o primeiro passo para curá-la é reconhecer que a temos. Identificar quais os nossos sintomas, perceber o que nos leva a ficar melhores ou piores. E assim aos poucos tomamos o remédio e fazemos o tratamento, para que eventualmente estejamos finalmente curados.
Ora o remédio para mim passa por praticar 3 coisas:
Minimizar
Quando vim viver para a casa centenária que hoje habito ainda me lembro claramente da mobilia e disposição das coisas. Nos quartos havia uma cama de corpo e meio (que era praticamente na altura a cama de casal), uma mesa de cabeceira de cada lado da cama, e um pequeno roupeiro ou arca. O essencial. Simples. O pequeno roupeiro, arca ou comóda continham o espaço suficiente para o vestuário das duas pessoas que lá dormiam. Não era preciso roupeiros gigantescos do tecto ao chão, não era preciso a televisão, as bugigangas e não sei que mais. Simples. E a verdade é que quando entrei nesse quarto senti-me em paz. Não era o meu estilo mas era simples. Aos poucos como qualquer adolescente fui preenchendo os espaços em branco com cores e mais coisas. Mas hoje adulta reconheço o poder dessa simplicidade.
Então aos poucos tenho tentado "destralhar" não só o que trouxe comigo mas também o que herdei. Minimizar os meus itens, pensar no que é importante ou não. Mas não sou minimalista. Não da forma como os "puristas minimalistas" se rotulam. Eu tenho uma casa preenchida de coisas, não é branca e preta, só com uma cadeira, uma mesa, uma planta. Eu tenho coisas. Coisas que tenho seleccionado e mantido na minha vida porque são me úteis ou trazem-me memórias e fazem-me feliz. Mas sempre que posso tento minimizar.
Frugal/Moderação
Segundo o dicionário :
Frugal = "Que mostra sobriedade ou moderação (ex.: modo de vida frugal): COMEDIDO, MODERADO, SÓBRIO, SIMPLES, TEMPERADO"
Minimizar conduz-nos inevitavelmente a praticar moderação. Moderação na forma como gastamos o nosso dinheiro, na forma como nos vestimos, comemos e nos apresentamos. E isto é algo que caiu em desuso - ser frugal. Os nossos bisavós e avós eram frugais à força, muitos deles viviam do campo, do que a natureza lhes dava. Viviam vidas difíceis e exigentes, mas não eram mais ou menos felizes, que nós por isso. Viviam obrigados a ser moderados para chegar para todos, aproveitava-se e reaproveitava-se tudo. Hoje reutilizar e reciclar é "eco". Mas antigamente era uma doutrina seguida à risca.
Na nossa necessidade de acompanhar o mundo, o que nosso vizinho do lado tem ou a celebridade que seguimos nas redes sociais, criamos esta ansiedade constante. Esta insatisfação permanente que apenas traz abundância de mais coisas, na busca de um status que no final nunca é atingido, e que nos deixa cada vez mais vazios por dentro.
Contentamento
A solução para esse vazio aí dentro...para a sensação de vazio, do espaço em branco da casa ou da parede despida depois de minimizarmos, para a mesa que ficou despida daqueles doces ou daquele sumo que sempre se bebia e que agora é só água, do roupeiro sem aquele vestido e calças que guardei na eventualidade de alguma coisa que nunca chegou a acontecer, por exemplo. A solução para o vazio é o contentamento.
A arte de praticarmos satisfação sobre aquilo que já temos caiu em desuso. E vivemos povoados de pequenos milagres no nosso dia-a-dia fruto da ciência e do evoluir dos tempos e raramente lhes damos o devido valor.
Voltemos ao princípio, ok? Já imaginaram o que seria lavar toda a roupa dos vossos roupeiros sem máquina de lavar a roupa? Já imaginaram carregar essa água e o tempo que teriam que esfregar e limpar cada item? Não acham que aí se questionariam se o que têm não é muito? Eu certamente ia obrigar os elementos da minha família a responsabilizarem se pela sua limpeza ou minimizarem em grande medida a quantidade de coisas a lavar. Porque senão levava dias a fazê-lo.
E aquele duche quente ao final do dia?! Só com um rodar de uma torneira uma corrente de água quente a tirar-vos o peso e o suor do dia. Quão trágico seria chegarem a casa e ainda terem que ir carregar esses litros de água, pôr a aquecer e depois tomar banho...todos estes pequenos e grandes luxos adquiridos são ainda hoje algo por que muitas pessoas lutam no seu dia-a-dia. Existem comunidades inteiras que todos sabemos não têm água limpa quanto mais canalizada. No entanto, todos os dias desprezamos o pequeno milagre dessa água a correr pelas nossas casas.
Ser feliz com o que se tem ajuda-nos a dar valor às coisas que nos rodeiam e ao papel que elas desempenham na nossa vida. Gastamos tempo a tomar conta daquilo que nos é essencial mas ganhamos tempo para aquilo que nos ocupa e preenche o vazio.
Não ter tanta coisa e não sofrer de antecipação e ansiedade pelo que não temos dá-nos tempo para fazermos o que queremos e o que gostamos. Porque se calhar não temos que trabalhar tanto porque não temos que suportar os custos de todas essas novas coisas que queremos. Ou porque não perdemos tempo precioso a limpar e a tomar conta de coisas que não são úteis. Ou porque não desperdiçamos o dinheiro que custou-nos a ganhar em "coisas", mas aplicamo-lo em experiências ou em investimentos para o futuro.
E agora sim posso responder às minhas próprias perguntas:
Porque é que o minimalismo hoje é tão importante?
Porque é uma entre muitas maneiras de contrariar a tendência consumista que nos tem infectado e povoado o dia-a-dia.
Porque é que é algo que tem feito tanto alarido e milhares de pessoas têm andado a apregoar este movimento e aplicado os seus princípios nas suas vidas, se os nossos antepassados já o faziam?
Porque permite-nos estabelecer a diferença do que é importante e necessário, do que é inútil e dispensável.
O que tem de tão especial?
É especial porque é uma ferramenta e uma prática que nos conduz a dar valor ao que nós somos versus ao que nós temos. Distinguindo o que é importante e verdadeiramente necessário para vivermos uma vida com mais sentido e experiências versus uma vida com mais coisas mas vazia de rumo e sensações.
E assim vos deixo, desejo-vos um Bom Ano Novo!
Até ao próximo post!
Tempo de elaboração e edição: 2 horas
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