A minha filha
Minha filha em pequenina
Era dum encanto sem fim
O mais belo botão de rosa
Existente no meu jardim
Passou-se mais um aninho
Seu sorriso desabrochava
Na sua boquinha linda
Que a todos encantava
Passou-se um ano, mais outro
Em tudo tinha piada
Chorava por todos se rirem
Das coisas que ela falava
Tão fazendo pouco de mim
Dizia com muita gracinha
Já não falo com ninguém
Vou já p'ra minha casinha
Perguntavam se estava boa.
Satisfeita e desemperrada...
Respondia com muita graça,
É cá tou bem toubrigada
Passaram-se mais uns anos
Chegou a idade escolar.
Tornou-se muito irritante
Que custou um pouco a passar
Professores e discípulos
Muito dela, eles gostavam
E quando estava doente
Todos, todos a visitavam
Mais uns anos se passaram
P'ra Lisboa foi estudar
as saudades eram tantas
Que o tempo custava a passar
De ti querida filha
Eu tenho sempre saudades
Que Deus te dê muita sorte
E sempre felicidades
Felicidades p'ra toda a vida
Que tudo em teu redor seja
Um mar de rosas sem espinhos
É o que a tua mãe te deseja.
O que sinto no meu peito
É imensa gratidão
Pela vida que Deus salvou
Que me encheu o coração
Eu não sei agradecer
Oh! Deus a Tua bondade
Por dar vida a minha filha
E salvá-la de verdade."
Datado de Fevereiro de 1986, escrito por Maria Júlia Cruz(†) na Luz.
P.S: quando descobri este poema num dos cadernos da minha tia o meu coração ficou apertado, a minha boca secou, a minha garganta cerrou-se, e lágrimas caíram. Sou mãe de uma menina e as primeiras quadras que a minha tia avó escreveu em 1986 correspondiam exactamente ao que sinto hoje em 2021 em relação à minha pequena. Mas é no final deste poema que a dor assola o coração, porque Deus não salvou a minha prima de morrer aos 50 anos de cancro. A sua mãe, a minha tia-avó Júlia, sobreviveu-lhe...e eu não consigo imaginar a dor que ela sentiu...agora encontrando este poema testemunhando a sua esperança e o seu desejo de que a sua filha vivesse por muito tempo feliz, antes de tudo o que aconteceu deixa-me sem palavras... Mas se não fosse eu ter este site e lembrar-me de tirar da prateleira os seus cadernos de escritos e lê-los para partilhar aqui, eu não teria a hipótese de ainda hoje sentir aqui ao meu lado a minha prima e a minha tia-avó a darem-me força e energia, espero que estejam hoje juntas algures no tempo e no espaço e que no infinito perdurem, assim como perduram hoje e todos os dias no meu coração.
Tempo de elaboração e edição: 1 hora
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